Querer (Pablo Neruda)























Não te quero senão porque te quero

E de querer-te a não querer-te chego

E de esperar-te quando não te espero

Passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,

Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,

E a medida de meu amor viageiro

É não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro

Seu raio cruel, meu coração inteiro,

Roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro

E morrerei de amor porque te quero,

Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.



Nos Bosques, Perdido (Pablo Neruda)



Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro

E aos labios, sedento, levante seu sussurro:

era talvez a voz da chuva chorando,

um sino quebrado ou um coração partido.

Algo que de tão longe me parecia

oculto gravemente, coberto pela terra,

um gruto ensurdecido por imensos outonos,

pela entreaberta e úmida treva das folhas.

Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,

o ramo de avelã cantou sob minha boca

E seu odor errante subiu para o meu entendimento

como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes

que abandonei, a terra perdida com minha infância,

e parei ferido pelo aroma errante.

Não o quero, amada.

Para que nada nos prenda

para que não nos una nada.

Nem a palavra que perfumou tua boca

nem o que não disseram as palavras.

Nem a festa de amor que não tivemos

nem teus soluços junto à janela...



Pablo Neruda



Para meu coração teu peito basta,

para que sejas livre, minhas asas.

De minha boca chegará até o céu

o que era adormecido na tua alma.

Mora em ti a ilusão de cada dia

e chegas como o aljôfar às corolas.

Escavas o horizonte com tua ausência,

eternamente em fuga como as ondas.

Eu disse que cantavas entre vento

como os pinheiros cantam, e os mastros

Tu és como eles alta e taciturna.

Tens a pronta tristeza de uma viagem.

Acolhedora como um caminho antigo,

povoam-te ecos e vozes nostálgicas.

Despertei e por vezes emigram e fogem

pássaros que dormiam em tua alma.



Pablo Neruda



Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.

Gira a noite sobra suas invisíveis rodas

e junto a mim és pura como âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,

só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados

e deixaram cair suaves sinais sem rumo,

teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.

Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:

a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.