Canção de mim mesmo

Walt Whitman



1.

Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo,

E aquilo que eu presumir também presumirás,

Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti.



Descanso e convido a minha alma,

Deito-me e descanso tranqüilamente, observando uma haste da relva de verão.



Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar,

Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais o mesmo e seus pais também o mesmo,

Eu agora com trinta e sete anos de idade, com saúde perfeita, dou início,

Com a esperança de não cessar até morrer.



Crenças e escolas quedam-se dormentes

Retraindo-se por hora na suficiência do que não, mas nunca esquecidas,

Eu me refugio pelo bem e pelo mal, eu permito que se fale em qualquer casualidade,

A natureza sem estorvo, com energia original.



2.

Casas e cômodos cheios de perfumes, prateleiras apinhadas de perfumes,

Eu mesmo respiro a fragrância, a reconheço e com ela me deleito,

A essência bem poderia inebriar-me, mas não permitirei.



A atmosfera não é um perfume, mas tem o gosto da essência, não tem odor,

Existe para a minha boca, eternamente; estou por ela apaixonado

Irei até a colina próxima da floresta, despir-me-ei de meu disfarce e ficarei nu,

Estou louco para que ela entre em contato comigo.



A fumaça da minha própria respiração,

Ecos, sussurros, murmúrios vagos, amor de raiz, fio de seda, forquilha e vinha,

Minha expiração e inspiração, a batida do meu coração, a passagem de sangue e de ar através de meus pulmões,

O odor das folhas verdes e de folhas ressecadas, da praia e das pedras escuras do mar, e de palha no celeiro,

O som das palavras expelidas de minha voz aos remoinhos do vento,



Alguns beijos leves, alguns abraços, o envolvimento de um abraço,

A dança da luz e a sombra nas árvores, à medida que se agitam os ramos flexíveis,

O deleite na solidão ou na correria das ruas, ou nos campos e colinas,

O sentimento de saúde, o gorjeio do meio-dia, a canção de mim mesmo erguendo-se da cama e encontrando o sol.



Achaste que mil acres são demais? Achaste a terra grande demais?

Praticaste tanto para aprender a ler?

Sentiste tanto orgulho por entenderes o sentido dos poemas?



Fica esta noite e este dia comigo e será tua a origem de todos os poemas,

Será teu o bem da terra e do sol (há milhões de sóis para encontrar),

Não possuíras coisa alguma de segunda ou de terceira mão, nem enxergarás através do olhos de quem já morreu, nem te alimentarás outra vez dos fantasmas que há nos livros.

Do mesmo modo não verás mais através de meus olhos, nem tampouco receberás coisa alguma de mim,

Ouvirás o que vem de todos os lados e saberás filtrar tudo por ti mesmo.



3.

Eu ouvi a conversa dos falantes, a conversa sobre o início e sobre o fim,

Mas não falo nem do início nem do fim.



Nunca houve mais iniciativa do que há agora,

Nem mais juventude ou idade do que há agora,

E jamais haverá mais perfeição do que há agora,

Nem mais paraíso ou inferno do que há agora,



O anseio, o anseio, o anseio,

Sempre o anseio procriador do mundo.



Na obscuridade a oposição equivale ao avanço, sempre substância e acréscimo, sempre o sexo,

Sempre um nó de identidade, sempre distinção, sempre uma geração de vida.

Não vale elaborar, eruditos e ignorantes sentem que é assim.



Certeza tal como a mais certa certeza, aprumados em nossa verticalidade, bem fixados, suportados em vigas,

Robustos como um cavalo, afetuosos, altivos, elétricos,

Eu e este mistério aqui estamos, de pé.



Clara e doce é minha alma e claro e doce é tudo aquilo que não é minha alma.



Faltando um falta o outro, e o invisível é provado pelo visível

Até que este se torne invisível e receba a prova por sua vez.



Apresentando o melhor e isolando do pior, a idade agasta a idade,

Conhecendo a adequação e a eqüanimidade das coisas, enquanto eles discutem eu mantenho-me em silêncio e vou me banhar e admirar a mim mesmo.



Bem-vindo é todo órgão e atributo de mim, e também os de todo homem cordial e limpo.

Nenhuma polegada ou qualquer partícula de uma polegada é vil e nenhum será menos familiar que o resto.



Estou satisfeito – vejo, danço, rio, canto;

Quando o companheiro amoroso dorme abraçado a mim a noite inteira e depois vai embora ao raiar do dia com passos silenciosos,

Deixando-me cestas cobertas com toalhas brancas enchendo a casa com sua exuberância,

Devo adiar minha aceitação e compreensão e gritar pelos meus olhos,

Para que deixem de fitar a estrada ao longe e para além dela

E imediatamente calculem e mostrem-me para um centavo,

O valor exato de um e o valor exato de dois, e o que está à frente?



4.

Traiçoeiros e curiosos estão à minha volta

Pessoas com quem me encontro, os efeitos que a minha infância tem sobre mim, ou o bairro e a cidade em que vivo, ou a nação,

As últimas datas, descobertas, invenções, sociedades, autores antigos e novos,

Meu jantar, roupas, amigos, olhares, cumprimentos, dívidas,

A indiferença real ou fantasiosa de um homem ou mulher que eu amo,

A doença de alguém de minha gente ou de mim mesmo, ou ato doentio, ou perda ou falta de dinheiro, depressões ou exaltações,

Batalhas, os horrores da guerra fratricida, a febre de notícias duvidosas, os terríveis eventos;

Essas imagens vêm a mim dia e noite, e partem de mim outra vez,

Mas não são o meu verdadeiro Ser.



Longe do que puxa e do que arrasta, ergue-se o que de fato eu sou,

Ergue-se divertido, complacente, compassivo, ocioso, unitário,

Olha para baixo, está ereto, ou descansa o braço sobre certo apoio impalpável,

Olhando com a cabeça pendida para o lado, curioso sobre o que está por vir,

Tanto dentro como fora do jogo, e o assistindo, e intrigado por ele.



No passado vejo meus próprios dias quando suei através do nevoeiro com lingüistas e contendores,

Não trago zombarias ou argumentos, apenas testemunho e aguardo.

Querer (Pablo Neruda)























Não te quero senão porque te quero

E de querer-te a não querer-te chego

E de esperar-te quando não te espero

Passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,

Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,

E a medida de meu amor viageiro

É não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro

Seu raio cruel, meu coração inteiro,

Roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro

E morrerei de amor porque te quero,

Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.



Nos Bosques, Perdido (Pablo Neruda)



Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro

E aos labios, sedento, levante seu sussurro:

era talvez a voz da chuva chorando,

um sino quebrado ou um coração partido.

Algo que de tão longe me parecia

oculto gravemente, coberto pela terra,

um gruto ensurdecido por imensos outonos,

pela entreaberta e úmida treva das folhas.

Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,

o ramo de avelã cantou sob minha boca

E seu odor errante subiu para o meu entendimento

como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes

que abandonei, a terra perdida com minha infância,

e parei ferido pelo aroma errante.

Não o quero, amada.

Para que nada nos prenda

para que não nos una nada.

Nem a palavra que perfumou tua boca

nem o que não disseram as palavras.

Nem a festa de amor que não tivemos

nem teus soluços junto à janela...



Pablo Neruda



Para meu coração teu peito basta,

para que sejas livre, minhas asas.

De minha boca chegará até o céu

o que era adormecido na tua alma.

Mora em ti a ilusão de cada dia

e chegas como o aljôfar às corolas.

Escavas o horizonte com tua ausência,

eternamente em fuga como as ondas.

Eu disse que cantavas entre vento

como os pinheiros cantam, e os mastros

Tu és como eles alta e taciturna.

Tens a pronta tristeza de uma viagem.

Acolhedora como um caminho antigo,

povoam-te ecos e vozes nostálgicas.

Despertei e por vezes emigram e fogem

pássaros que dormiam em tua alma.



Pablo Neruda



Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.

Gira a noite sobra suas invisíveis rodas

e junto a mim és pura como âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,

só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados

e deixaram cair suaves sinais sem rumo,

teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.

Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:

a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Nelson Mandela

Nelson Mandela - "Sonho com o dia em que todas as pessoas levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos." - "Uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável combinação." - "Não há caminho fácil para a liberdade. A queda da opressão foi sancionada pela humanidade, e é a maior aspiração de cada homem livre." - "A luta é a minha vida. Continuarei a lutar pela liberdade até o fim de meus dias." - "A educação é a arma mais forte que você pode usar para mudar o mundo.

A pulga John Donne

John Donne

A pulga




Nesta repara pulga e Bem Aprende

Quão Pouco É o Que me negas com desdém.

Ela sugou-me um MIM E a ti Depois,

assim mesclando o Sangue de Dois nn.

E É certo Que Ninguém a isto aludo

Como Pecado OU Perda de Virtude.

Mas ELA Goza sem ter cortejado

E incha de Sangue em hum Dois revigorado:

E mais não teríamos logrado que.



Poupa Três Vidas Nesta Que É Capaz

De nsa casados Fazer, Mais Quase UO.

A pulga NÓS Somos e Este e TUE o

Leito de núpcias. Ela prendeu nos,

Ou não queiras, e NÓS Os outros contra,

Nos muros vivos Deste Breu, a sós.

E embora Possas dar-me FIM, Não dês:

É suicídio e sacrilégio, Três

Três mortes em Pecados de Uma Vez.



Mas tinge de vermelho, indiferente,

A Tua unha em Sangue de inocente.

Que cometeu Falta uma pulga incauta

Salvo uma Mínima gota que te Falta?

E de te alegres dizes Que Não sentes

Nem um Nem ti Menos um potentes MIM.

Então, Tua cautela É desmedida.

Tanta Honra hei de Tomar, se concedida,

Quanto a morte da pulga A Tua Vida.

O Flea JOHN DONNE

JOHN  DONNE

O Flea








MARK mas esta pulga, e marca isso,

Como é pouco o que me negas é;

É suck'd me em primeiro lugar, e agora te suga,

E nesta pulga nossos dois sangues misturaram ser.

Tu sabes que isto não pode ser dito

Um pecado, nem vergonha, nem perda da virgindade;

No entanto, este goza antes woo,

E pamper'd incha com um sangue feito de dois;

E isso, infelizmente! é mais do que faríamos.



O ficar, três vidas numa pulga de reposição,

Onde estamos quase, sim, mais que um casamento.

Esta pulga é tu e eu, e isso

O nosso leito conjugal, eo templo é o casamento.

Embora os pais o rancor, e você, estamos satisfeitos,

E cloister'd vivendo nestas paredes de jato.

Embora o uso torná-lo apto a matar-me,

Não deixe que a auto-assassinato ser acrescentado,

E o sacrilégio, três pecados matando três deles.



Cruel e repentinas, uma vez que tens

Púrpura tuas unhas em sangue de inocência?

Onde isso poderia ser culpado de pulgas,

Salvo em que a queda que suck'd de ti?

No entanto, triumph'st tu, e tu disseste que

Find'st não te nem a mim o mais fraco agora.

'Tis verdade, então aprender teme ser falso;

Apenas tanta honra, quando yield'st tu para mim,

Vontade de resíduos, como a morte esta pulga tirou a vida de ti.

O Ecstasy JOHN DONNE

John Donnehttp://lumasamily.blospot.com/

O Ecstasy




Quando, como um travesseiro na cama

Um banco grávida swell'd até demais

cabeça reclinada O violeta, o

Sáb nós dois, um outro melhor.



Nossas mãos estavam firmemente cimentada

Com um bálsamo rápido, daí que surgiu de repente;

Nosso olhar vigas retorcidas, e não discussão

Nossos olhos em cima de uma corda dupla;



Então to'intergraft nossas mãos, como ainda

Foi de todos os meios para nos fazer um,

E imagens em nossos olhos para começar

Foi tudo nosso propagação.



twixt como "destino dois exércitos iguais

Suspende a vitória incerta,

Nossa alma (que para avançar seu estado

Foram saído) pendurado 'twixt ela e eu.



E enquanto nossas almas negociar lá,

Nós como estátuas sepulcral leigos;

Todos os dias, o mesmo nossas posturas foram,

E não dissemos nada, todo o dia.



Se houver, então pelo amor refin'd

linguagem que a alma está compreendida,

E pelo amor de bom foram cultivadas em mente,

A uma distância conveniente, levantou-se,



Ele (embora ele não sabia o que falava da alma,

Porque tanto significado, falou a mesma coisa)

Talvez daí confecção de um novo exame

E uma parte muito mais puro do que ele veio.



Esta unperplex doth ecstasy,

Nós dissemos, e diga-nos o que nós amamos;

Vemos por este não era o sexo,

Vemos que não viu o que se movia;



Mas, como todas as almas conter vários

Mistura de coisas, não sei o quê,

Love estas almas misturadas mix doth novamente

E tanto faz uma, cada isso e aquilo.



Um transplante de violeta único,

A força, a cor eo tamanho,

(Todos os que antes era pobre e escasso)

Redobra ainda, e se multiplica.



Quando o amor com um outro modo

Interinanimates duas almas,

Que a alma abler, que fluem daí Acaso,

Defeitos de controles solidão.



Nós, então, que essa alma nova, saber

Do que estamos compos'd e fez,

Para th 'atomies que nós crescemos

São almas. que nenhuma mudança pode invadir.



Mas, oh, infelizmente, tão longo, tão distante,

Nossos corpos porque nós abster?

They'are nossa, embora não they'are nós, somos

As inteligências, eles as esferas.



Devemos-lhes graças, porque assim

Será que nós, para nós, a saber em primeiro lugar,

Rendeu vigor dos seus sentidos "para nós,

Também não são escória para nós, mas dissipar.



No céu influência do homem não funciona assim,

Mas que primeiro imprime ao ar;

Assim a alma para a alma possa fluir,

Apesar do reparo do corpo-a primeiro.



Como trabalhos nosso sangue para procriar

Espíritos, como almas, pois ele pode,

Como os dedos dessa necessidade de tricotar

Esse nó sutil que nos faz homens,



Assim, deve almas amantes puros "descer

afetos T ", e faculdades,

Que sentido pode alcançar e apreender,

Mais um grande príncipe está na prisão.



organismos To'our vez que, então, que assim

Homens fracos em reveal'd amor pode parecer;

os mistérios do amor nas almas que crescem,

Mas ainda o corpo é o seu livro.



E se algum amante, como nós,

Ouvi este diálogo de um,

Deixe que ele ainda nos marca, ele deve ver

Pequena alteração, quando we'are aos órgãos ido

Fernando Pessoa Navegar é Preciso(tem vários outros poemas no dominio público)

poesias de Fernando PessoaNavegar é Preciso


Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;

ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue

o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

Vendaval Fernando Pessoa -


Vendaval


Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,

Não achas, soprando por tanta solidão,

Deserto, penhasco, coval mais vazio

Que o meu coração!

Indômita praia, que a raiva do oceano

Faz louco lugar, caverna sem fim,

Não são tão deixados do alegre e do humano

Como a alma que há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,

Só têm a tristeza que a gente lhes vê

E nisto que em mim é vácuo e tristeza

É o visto o que vê.

Ah, mágoa de ter consciência da vida!

Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,

Que rasgas os robles — teu pulso divida

Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,

A alma que tenho pudesses levar -

Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia

De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,

Mar torvo do caos que parece volver -

Porque é que não entras no meu penssamento

Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!

Horror de sentir a alma sempre a pensar!

Arranca-me, é vento; do chão da existência,

De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,

Pelo caos furioso que crias no mundo,

Dissolve em areia esta minha amargura,

Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,

Telhados daqueles que têm razão,

Atira, já pária desfeito dos ares,

O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,

Tornado a substância dispersa e negada

Do vento sem forma, da noite sem termo,

Do abismo e do nada!

O medo

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.

E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.

O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
Drummond

CONCEITOS EM FILOSOFIA

A filosofia e a criação de conceitos em Deleuze e Guattari Para Deleuze e Guattari, o pensamento filosófico realiza-se através da inten-sa criação de conceitos. Essa tarefa, no entanto, já foi reconhecida pela filosofia. O que distingue o pensamento desses autores com respeito ao trabalho filosófico, é que para os mesmos, a criação de conceitos deve assumir o lugar a imanência e não da transcendência. Assim, supõe a criação de um plano de imanência pré-filosófico. O plano é caracterizado como pré-filosófico não no sentido de ser anterior à filosofia, mas por ser a condição, o elemento interno necessário para que a filosofia exista. “A filosofia é, ao mesmo tempo, criação de conceito e instauração do plano. O conceito é o começo da filosofa, mas o plano é sua instauração” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 58). O plano é a base e o horizonte do conceito, o que fornece fundamento e norteia a criação conceitual. Por isso, conceito e plano tornam-se inseparáveis e imbricados e sem nenhuma relação hierárquica entre eles. O conceito não funciona sem o plano em que foi criado. Há uma complementaridade entre conceito e plano, que forma a estrutura do sistema filosófico. A imanência do conceito impede as representações mentais, e a busca de referenciais fora do plano. Assim, os conceitos remetem a uma compreensão não conceitual, intuitiva, que varia em função do plano foi instaurado. O plano de imanência estabelece também uma relação entre a filosofia e o não filosofo, uma vez que é necessário que haja um diálogo entre a filosofia e os leigos. Como não se encerra em representações mentais, o conceito não paralisa o movimento do pensamento. Ele é aberto e dinâmico, tem como característica intrín-seca o próprio devir. Assim, o conceito provém de uma experiência de pensamento e leva a novas experiências de pensamento. Portanto, os conceitos não surgem do nada, se caracterizam também por pos-suir uma história, isto é trazem consigo elementos de outros conceitos. Os conceitos alimentam-se de diversas fontes, como a filosofia, ciência e arte. Um conceito se origina de outro conceito, que por sua vez, também teve origem em outro conceito, e assim sucessivamente, num movimento que se estende ao infinito. Por isso, não há conceito simples, o conceito remete sempre a uma multiplicidade de conceitos, de modo que é impossível construir uma linha exata de demarcação entre um conceito e outro. Cada conceito remete a outros conceitos, não somente em sua história, mas em seu devir ou suas conexões presentes. Cada conceito tem compo-nentes que podem ser, por sua vez, tomados como conceitos [...] Os con-ceitos vão pois ao infinito e, sendo criados, não são jamais criados do na-da. (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 41) No, entanto, é tarefa do filósofo, em sua criação, recortar o conceito, atribuir-lhe novas nuanças. O conceito também possui singularidade, porque jamais é o mesmo, uma vez que se remete a um agregado de conceitos. Embora o conceito reporte-se a uma multiplicidade de conceitos, possui uma estrutura e organização e, no entanto, não perde o caráter de um todo composto por fragmentos. Como o conceito é um ato de criação, ressalta-se a capacidade criadora da filosofia. Aqui se destaca uma característica do pensamento de Deleuze e Guattari, que é o construtivismo, que diz respeito ao ato de construção-criação. O filósofo deve ser criador e não reflexivo. Assim, também, se compreende a especificidade da filosofia. A filosofia não é contemplação, porque a contemplação não é criativa, não é comunicação, porque a mesma visa ao consenso. Também não é reflexão, porque não é uma função específica da filosofia, qualquer um pode refletir. A criação de conceitos é que confere a especificidade da filosofia: “a contemplação, a reflexão, a comunicação não são disciplinas, mas máquinas de constituir Universais em todas as disciplinas.” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 15). O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos [...] Criar conceitos sempre novos, é o objeto da filosofa. É porque o conceito deve ser criado que ele remete ao filósofo como àquele que o tem em potência, ou que tem sua potência e sua competência [...] Que valeria um filósofo do qual se pudesse dizer: ele não criou um conceito, ele não criou seus conceitos? (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 13-14). Os conceitos são auto-referentes, se reportam a eles mesmos, representam uma forma própria de ver o mundo e os acontecimentos. Nessa perspectiva, a pró-pria filosofia torna-se auto-referente. Deleuze e Guattari, distintamente da tradição, para a qual o conceito é sem-pre universal, sublinham o caráter particular do conceito, à medida que o mesmo remete-se sempre ao acontecimento, que é caracterizado por sua singularidade. Portanto, cada conceito, diz respeito a um problema, são criados em função de um problema, que é o que confere sentido e razão de ser para um conceito. De acordo com os autores, o “primeiro princípio da filosofia é que os universais não explicam nada, eles próprios é que devem ser explicados” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 15). A criação de conceitos nos remete a uma lógica do sentido, contrapondo-se a idéia e categorias prontas, definidas. Os acontecimentos aos quais se remetem os conceitos são vistos em sua particularidade e imprevisibilidade. Portanto, o conceito não é uma representação mental, encerrada em si mes-ma, é um instrumento que faz pensar, que impulsiona o pensamento a partir de um dado problema. A filosofia de Deleuze e Guattari convida a observar continuamente o mundo, suas nuanças, variedades e detalhes. Para Deleuze e Guattari, a filosofia deve se desvencilhar das opiniões simplis-tas, das generalizações que aprisionam os indivíduos e saber conviver com a multiplicidades de possibilidades que caracteriza o mundo. A criação de conceitos valoriza os acontecimentos, sua dinâmica e imprevisibilidade. O pensamento filosófico conduz, assim, a se aventurar, a correr certos riscos. Estabelece sempre uma relação entre o conhecido e desconhecido, reporta-se aos conceitos e à imprevisibilidade do mundo das coisas e dos acontecimentos.
JOÃO FILHO- PÓS GRADUADO EM METODOLOGIAS DO ENS. DE FILOSOFIA E GRADUADO EM HISTÓRIA.
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELEUZE, G e GUATTARI, F. O que é a filosofia. São Paulo: Ed. 34, 1992 FLORIANO, C. Deleuze e a Educação Disponível em: www.arq.ufsc.br/esteticadaarquitetura. Acesso em: 15 jan 2010. GELAMO, R. P. A imanência como “lugar” do ensino de filosofia. Educ. Pesqui. vol.34 no.1 São Paulo Jan./Abr. 2008 Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 12 jan 2010